terça-feira, 9 de outubro de 2012

Um livro para um tempo de múltiplas vozes

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Livros foram, até hoje, a forma mais eficaz que a humanidade encontrou para absorver, armazenar e transmitir conhecimento. Eles se tornaram, ao longo da história, um meio de mitigar os limites de memória, inteligência e imaginação de cada um dos nossos cérebros. Lineares como o passar do tempo. Portáteis como nossas roupas. Íntimos como o pensamento. Houve quem quisesse queimá-los em nome de crenças políticas ou religiosas, quem quisesse transformá-los em tecnologia obsoleta e mesmo quem tentasse proclamar sua irrelevância no frenético mundo moderno. Mas os livros resistiram a todo tipo de ameaça e intempérie. Nunca se publicou tanto como hoje, nunca se venderam tantos livros.

Eis, então, que a tão festejada revolução digital, depois de abalar os negócios da música, das imagens e – naturalmente – das notícias, se abate sobre o universo dos livros. Sim, é verdade que um tablet como o iPad não tem aquele delicioso cheiro de papel. Mas, se você tiver as mesmas limitações oculares que o autor deste texto, sentirá o indescritível prazer de aumentar o tamanho da letra para tornar a leitura mais confortável. Ou de comprar um livro digital sem sair de casa e, em questão de minutos, ler o maior poema do século XX, The Waste Land, de T. S. Eliot, ao mesmo tempo em que escolhe se prefere ouvi-lo recitado pelo próprio autor ou por alguma dentre as outras tantas interpretações disponíveis. E no futuro ainda haverá, no novo formato, dezenas de compensações de outra natureza para a falta do cheiro do papel. Pelo menos é essa a promessa trazida por algo tão intangível quanto o conteúdo dos livros – mas, ao contrário dele, dinâmico e cambiante: os programas de computador.

Estaríamos, então, prestes a testemunhar a lenta derrocada dos livros impressos, derrubados gradualmente pelos softwares interativos para as tabuletas digitais? Difícil fazer previsões. O tempo continuará linear. O pensamento, talvez não. Mas as palavras continuarão sendo escritas e lidas, provavelmente, umas após as outras – recurso de que nem Eliot conseguiu se desfazer para fazer ecoar as múltiplas vozes de seu poema. Rupturas serão a província de criadores geniais como ele ou dos programadores que tornaram sua obra-prima mais acessível às novas gerações, por meio dessa nova forma de absorver, armazenar e transmitir conhecimento. Tomara que ela perdure tanto quanto o livro.

GUROVITZ, Helio. Carta do Diretor de Redação. Revista Época. Disponível em: http://cbld.com.br/blog/2011/07/um-livropara-um-tempo-de-multiplas-vozes/ (com adaptações)